sábado, 21 de novembro de 2015

não quero perder a liberdade, meu amor. perdoa-me se te pareço egoísta. não se trata disso. é um tanto difícil explicar-me-te. torço para que um dia ouças todas as razões que não te darei. rezo para que me Ames com elas presentes. porque de outro modo, amas um cadáver. um triste e patético cadáver do eu. queria que continuasses a entender que prefiro morrer no teu abraço sóbrio a ter-te ébrio e frenético a meu lado. 
quero jurar-te um Amor bonito. um Amor limpo. um Amor bom. quero jurar-te que as minhas mãos não se sujam com outros que não tu. quero ser tua sem parênteses. sem reticências. quero ser tua na consciência que seremos uma perpétua metamorfose do nós. quero agarrar a segunda pessoa do plural com a mesma força com que tu prendes as minhas coxas contra o teu sexo. 
mas não quero perder a liberdade, meu amor.
é que, meu bem, é tão fácil perder-me na imensidão do mundo. e como diz a canção, as boas mulheres não tomam o pequeno almoço. mas, meu amor, eu peço sempre que me passem o açúcar para o café. 

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

havemos de nos encontrar sem paredes nem portas nem barreiras físicas nem emocionais. havemos de nos encontrar sem palavras, sem afecto, sem beijos e sem lágrimas. havemos de nos encontrar onde os pés andam sem meias e as meias sem borboto. havemos de nos encontrar no lado errado da vida.

domingo, 9 de dezembro de 2012

eu sei que jurei não voltar, mas estou demasiado bêbeda e preciso de sexo. hoje serás tão só um capricho mudo aos olhos de quem um dia ousou amar-te. dois estranhos. uma garrafa de whiskey. lençóis lavados. não precisas beijar-me, doçura. estamos quentes, mas somos cal a descascar-se lentamente neste quarto sem portas. persiana por fechar ou não fôssemos cair no erro e na desgraça e no engano e desafortuna de pensarmos dormir juntos. depois disto.
silêncio e mordisca-me o peito. shhhhhh. a minha epiderme arrepia-se a cada traço surrealista que a tua língua desenha entre as minhas coxas. sabes que me tens. ainda que só por esta madrugada. ainda que distante como só os amantes circunstanciais conseguem. ainda que terrivelmente apaixonada por ti.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

há suicídios bonitos. suicídios assistidos. suicídios lentos. suicídios mortos. há suicídios e suicídios. o meu vai ser anónimo. sem agonia, aparato ou dedicação. não vai ser planeado nem tão pouco consciente. vai ser tão só a minha morte. uma inscrição numa lápide. sem data. sem local. sem rosto.
os suicídios bonitos são para as estrelas de hollywood que até escolhem uma idade para morrer
















dança comigo fora da pista
vamos para o balcão, para a casa de banho
entornar martini em cima das colunas
e fazer amor atrás do dj (enquanto ele passa rolling stones sem saber o que está a fazer)
consumamo-nos 
até ao último bafo
até à última música de um álbum riscado
dança comigo esta noite, amanhã à noite,
ontem de manhã
e apaga a poesia das minhas costas

domingo, 27 de maio de 2012

E se tudo se resumir a deixarmo-nos de merdas? Largarmos a merda do romance, a puta da arte e morrermos no nosso alheamento, nus e crus, fodendo de costas para a merda do amor, para a puta da razão. Tomara que todas as minhas chagas sarassem tão rápido quanto o teu adeus. Tomara que tudo se resumisse a um jogo de xadrez. as peças na cadeira e a vida no tabuleiro

sábado, 26 de maio de 2012

V
Quando estava aborrecida, abria o Livro do Desassossego à sorte, como quem joga tetris sem encaixar as peças. No fundo, gostava de fragmentos. Não discutíamos, limitavamo-nos, a maior parte do tempo, a sorrir no vazio das nossas ilusões, sem saber o que estávamos a fazer ali. Eu tinha medo e ela também. 
- Vai buscar a Justine e lê-me as últimas páginas ao ouvido. Ninguém precisa de saber que a virtude não leva a lado nenhum.
E eu segredava-lhe o expoente da devassidão, alterando o ritmo à medida dos espasmos do seu corpo dormente, na exacta proporção da poesia dos seus contornos. E a música...ah! a música, a valsa erótica que nos acompanhava nesta dança cega até a noite terminar, tocava ininterruptamente até acabarmos sepultadas no crepúsculo do nosso desejo. 

sexta-feira, 25 de maio de 2012


I
Aquele dia não se estava a revelar o melhor para tomar decisões difíceis. Voltei a vê-la, ao longe, a tropeçar nos próprios pés, a perder-se a cada esquina da cidade onde nunca se chegou a encontrar. O meu café arrefece em cima do Código Civil. Talvez devesse voltar para casa. Tornou-se impossível estar longe dos meus lençóis e não poder matar cada contrariedade com um orgasmo. A minha libido conduz-me vezes sem conta para aquelas quatro paredes carcomidas pela humidade. Aquele quarto, cujo odor insuportável a mofo e a naftalina me puxava o vómito mais do que o bolor que se entranhava nos móveis. À porta do prédio, ao lado do degrau que me ajudava a chegar à campainha, os quatro sacos de plástico com os restos do jantar do dia anterior eram abertos pelos gatos que habitavam a redondeza. Lá dentro, uma centena de livros apodrecia dentro de um armário sem porta. As páginas amarelas, as manchas de café e as frases sublinhadas com um lápis a precisar de ser afiado, tudo me guiava, irremediavelmente, para o precipício da decadência.
II
Lembro-me da primeira vez que me deitei na cama dela. Adormeci a ler Anna Karenina depois de a convencer a ir lavar o cabelo. Acordei quando a vara que prendia a cortina da banheira se partiu e caiu no azulejo. Não abri os olhos. Ainda a ouvi dizer uns quantos palavrões na casa de banho, mas quando a porta do quarto se abriu nada mais senão silêncio. Gestos mudos faziam adivinhar que ela continuava ali, quiçá nua, a ponderar cada movimento naquele sítio moribundo para não me acordar. Ao fim de um bocado, o meu sexo estava molhado e senti-me corar. Obriguei-me a recuar, a pensar no sistema da ordem jurídica, nos princípios fundamentantes de direito que deveria estar a estudar, até que umas mãos que não as minhas se precipitaram entre as minhas coxas.
III
Demorou um tempo até voltar a vê-la de novo. Não falámos desde essa madrugada, quando ela me deu um passe de autocarro com três viagens e se virou para o lado oposto. Quando o semestre começou, via-a sair da biblioteca e segui-a até casa. Deve ter-se apercebido da minha falta de jeito para espionagem e deixou a porta aberta. Entrei.
- Cortaste o cabelo. – observou, sem desviar os olhos do quarto volume de Guerra e Paz.
- Sim, é sempre bom variar. – respondi-lhe, sem antes ponderar a hipótese de tentar quebrar aquela atmosfera dizendo-lhe que tinha sido a cabeleireira quem, de facto, mo tinha cortado.
Começou a desabotoar os botões da blusa rendilhada, revelando, aos poucos, o derradeiro esboço do erotismo. Do nada tinha-a prostrada à minha frente, sem qualquer tecido a cobrir-lhe a epiderme, os seios arrepiados e os pés descalços. A partir desse dia passámos a ler nuas.

IV
Sempre gostei de mortes lentas. E foi precisamente naquele cenário obsessivo, por vezes onírico, com os cabelos dela a cobrirem o meu peito, que li o Retrato de Dorian Gray. A nossa imaginação alimentava a realidade, imiscuindo-se nela, como se o contrário não fosse mais possível, como se a linha ténue que separava a minha insanidade mental e o meu desejo tivesse sido, irremediavelmente, quebrada. 
Ela vivia como se os dias lhe pertencessem. O ócio não é senão o expoente da liberdade e ela sabia que o tinha de agarrar enquanto era tempo, enquanto não desaprendia de viver livre. Sentava-se sozinha na mesa da esplanada e olhava as pessoas, entre Flaubert e um café gelado. Todos os meses ia ao teatro e não perdia as sextas feiras à tarde com o alfarrabista da Sá da Bandeira a discutir preços dos fins de edições que ele trazia não se sabe bem de onde. Isso e o mercado do quebra costas no segundo sábado de cada mês. Gostava da moda vintage, não só por se tratar disso mesmo, moda, mas também por lhe trazer à memória o odor a mofo e naftalina que lhe recordava a casa dos avós na Guarda. Perdia horas a subir e descer a calçada daquela cidade, perpetuando uma existência solitária e sonhadora que se personificava nos edifícios degradados da alta. Inventava-lhes histórias, adivinhava-lhes vida.
Só ia às aulas ao final do dia, gostava de sair da faculdade ao anoitecer, ver a iluminação sinistra do casarão em ruínas que morria lentamente em frente a sua casa e descer a rua com o Código Civil na pasta preta. Não percebia a justiça e, a bem dizer, nem o próprio Direito. Não sabia sequer se poderia separar as duas coisas, se uma não pressupunha a outra. Mas também não se interessava. Cria ser tudo aquilo muito mundano, artificial até. Pensava, muitas vezes, em levantar o braço nas aulas, questionar, inquietar-se, mas a força do tédio vencia-a as mais das vezes, e dos porquês chegava ao para quê no instante seguinte.
É. Os dias não lhe pertenciam, no final de tudo.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Hoje a vida morre-lhe como se fosse algo exterior a ela. 
Talvez não estivesse a acontecer nada ali, mas ela morria lentamente a cada gole de gim, a cada bafo na cigarrilha acabada, como se de um cadáver triste se tratasse.