sexta-feira, 25 de maio de 2012

Ela vivia como se os dias lhe pertencessem. O ócio não é senão o expoente da liberdade e ela sabia que o tinha de agarrar enquanto era tempo, enquanto não desaprendia de viver livre. Sentava-se sozinha na mesa da esplanada e olhava as pessoas, entre Flaubert e um café gelado. Todos os meses ia ao teatro e não perdia as sextas feiras à tarde com o alfarrabista da Sá da Bandeira a discutir preços dos fins de edições que ele trazia não se sabe bem de onde. Isso e o mercado do quebra costas no segundo sábado de cada mês. Gostava da moda vintage, não só por se tratar disso mesmo, moda, mas também por lhe trazer à memória o odor a mofo e naftalina que lhe recordava a casa dos avós na Guarda. Perdia horas a subir e descer a calçada daquela cidade, perpetuando uma existência solitária e sonhadora que se personificava nos edifícios degradados da alta. Inventava-lhes histórias, adivinhava-lhes vida.
Só ia às aulas ao final do dia, gostava de sair da faculdade ao anoitecer, ver a iluminação sinistra do casarão em ruínas que morria lentamente em frente a sua casa e descer a rua com o Código Civil na pasta preta. Não percebia a justiça e, a bem dizer, nem o próprio Direito. Não sabia sequer se poderia separar as duas coisas, se uma não pressupunha a outra. Mas também não se interessava. Cria ser tudo aquilo muito mundano, artificial até. Pensava, muitas vezes, em levantar o braço nas aulas, questionar, inquietar-se, mas a força do tédio vencia-a as mais das vezes, e dos porquês chegava ao para quê no instante seguinte.
É. Os dias não lhe pertenciam, no final de tudo.

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